23/09/2021 às 11h05min - Atualizada em 23/09/2021 às 11h05min

Chapada dos Veadeiros: região é devastada por incêndios há mais de 16 dias

Polícia abriu cinco inquéritos para investigar as queimadas na reserva. Quatro tiveram a autoria identificada. Ao todo, 23 mil hectares de cerrado foram devastados. Bombeiros que atuam no combate aos incêndios receberam diagnóstico de covid-19

Correio Braziliense
Minervino Júnior/CB/D.A Press
Os incêndios florestais, que assolam a Chapada dos Veadeiros há 16 dias, estão sob investigação policial. Dos oito focos identificados pelas equipes de combate ao fogo, cinco resultaram em inquéritos abertos na Polícia Civil de Alto Paraíso (GO). Segundo a delegada responsável, Bárbara Buttini, quatro dos casos tiveram reconhecimento de autoria — sendo dois dolosos e dois culposos. As apurações continuam. Enquanto isso, equipes da força-tarefa atuam no controle das chamas em três locais da região. Em meio à pandemia da covid-19, três bombeiros militares de Goiás testaram positivo para a doença e foram afastados. Na última terça-feira, uma brigadista caiu e se machucou. Ela foi encaminhada ao hospital de Goiânia. A profissional teve alta nessa quarta-feira (22/9) e está bem.

Segundo estimativas do Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMbio), até terça-feira, 23 mil hectares de vegetação foram queimadas na região — sendo cinco mil dentro do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros e 18 mil nas imediações. O coordenador de Prevenção e Combate a Incêndios do ICMbio, João Morita, ressalta que essa queima é uma das maiores registradas na história. Ultrapassa as ocorrências dos últimos três anos. De acordo com ele, a proporção atinge níveis próximos do que ocorreu nos anos de 2010 e 2017.

Ação humana
Para melhor apurar as condições que provocaram os incêndios na região, uma equipe de perícia policial de Goiânia deve desembarcar, nesta quinta-feira (23/9), na Chapada dos Veadeiros. Os laudos vão embasar os inquéritos da Polícia Civil e dar suporte técnico para as sanções a serem aplicadas. Os inquéritos abertos representam cinco áreas de queima nos últimos dias: a fazenda da Cascata — com maior área devastada, 10 mil hectares —, o Vale Azul, o Vale da Lua, uma mata próxima a São Bento e outra perto do município de São Jorge. Outros pontos são atingidos pelas labaredas, com menor proporção.

A polícia goiana confirmou que dois incêndios se deram por acidente. “São várias causas, cada uma diversa da outra, por isso que está tão difícil. Não tem um denominador comum”, pontuou a delegada Bárbara Buttini. Na terça-feira, o delegado-geral da Polícia Civil de Goiás, Alexandre Lourenço, determinou prioridade nas apurações pela gravidade.

No Vale da Lua o rastro do fogo toma conta do cenário turístico. As pedras esculpidas pela água, características do local, ficaram cobertas de fuligem. Boa parte da vegetação foi consumida pelas chamas. Socorrista e morador local, Josimar da Silva Rodrigues, 50 anos, avalia a grande perda na flora. “Muitas plantas não vão se recuperar mais, teve várias bromélias que estão com as raízes queimadas que morreram, além de cactos, aroeira e uma outra espécie que costumamos chamar de ‘dormideira’”, lamenta Josimar.

O incêndio em uma das principais atrações turísticas da Chapada começou em 12 de setembro. O socorrista Santiago Teles da Silva, 27, estava no dia do inicio das chamas. “Era, cerca de, 10h20 quando o fogo começou na trilha, no momento, tinha cerca de 60 pessoas aqui, tomando banho”, relata. De acordo com Santiago, os primeiros a chegarem ao local foram dez brigadistas voluntários de São Jorge, que auxiliaram a equipe da propriedade privada a conduzir os visitantes para uma área segura. O Corpo de Bombeiros chegou ao local, a estimativa é de que três hectares foram queimados.

Equipe
Ao todo, 170 pessoas estão mobilizadas nos trabalhos de combate aos incêndios na Chapada dos Veadeiros. Entre as equipes atuando in loco estão brigadistas do ICMbio, do Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais (Prevfogo) do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama), brigadas voluntárias e militares do Corpo de Bombeiros do Goiás e do DF.

Para auxiliar no trabalho de controle das chamas, três aviões do modelo air tractor, com capacidades de dois a três mil litros de água, são utilizados. As aeronaves são uma peça importante de atuação, principalmente em pontos de difícil acesso.

Desafios
Os bombeiros também lidam com o desafio do novo coronavírus. Até terça-feira, dois brigadistas do Corpo de Bombeiros de Goiás testaram positivo para a covid-19. Após a confirmação dos casos, os demais membros da tropa foram testados e houve mais um diagnosticado com a infecção. Os três militares foram afastados para aguardar em repouso. Segundo o capitão Dias, do CBMGO, eles tiveram sintomas leves. “Quem teve o resultado negativo vai continuar no combate ao fogo”, afirma.

Uma brigadista do ICMbio se feriu, na última terça-feira, ao combater um incêndio na região do Poço Encantado, na Chapada. De acordo com o Instituto, ela escorregou e rolou por aproximadamente um metro e meio. Colegas que estavam no local fizeram o resgate. A princípio, houve suspeita de fratura na bacia e joelho, mas foi descartada pelos médicos. A mulher foi transportada pela equipe do CBMGO para o Hospital Estadual de Urgências da Região Noroeste de Goiânia (Hugol). Ela recebeu alta e está em casa.

Voluntários
Além da equipe especializada dos bombeiros do DF e de Goiás, ICMBio e Prevfogo, a Chapada conta com voluntários no combate às chamas. Amilton Sá, 41, é coordenador executivo da Rede Contra Fogo de Alto Paraíso de Goiás. Nessa quarta-feira, às 18 horas, o grupo iria a São João da Aliança auxiliar no combate ao fogo nas proximidades da GO-236. “O nosso grupo faz combate direto com as chamas, mas sob orientação dos órgãos oficiais. Ao menos 50 voluntários estão rotineiramente no combate, além de cerca de 20 pessoas que atuam como suporte, levando mantimentos e água para a equipe”, explica.

A Rede Contra Fogo surgiu em 2017, quando a Chapada dos Veadeiros enfrentou um dos piores incêndios de sua história. Para Amilton, o principal desafio enfrentado é a falta de veículos. “Não temos viatura própria nem condição de manter o custo de manutenção de um veículo. Muitos lugares têm acesso difícil e precisam de um carro 4x4”. O coordenador de voluntários destaca que a comunidade sofre com os danos na natureza. “Os moradores estão expostos a essa situação estressante, respirando fumaça, e enfrentando uma série de desafios todos os dias”, pontua.

Marcello Nissen, 36, proprietário da Cachoeira do Label, vive na Chapada desde a infância. “Nosso plano é impedir o avanço do fogo por esse acesso da GO 236. Pelo mapa, conseguimos definir esse ponto estratégico e temos uma força tarefa de duas equipes de 8 profissionais e cerca de 20 voluntários. Mobilizamos caminhão pipa, separamos água e alimento para o combate de hoje (ontem). Se formos bem sucedidos conseguiremos preservar mais de 100 km em linha reta da Serra do Paranã entre o Label e o Itiquira”, pontua. Marcello explica que participar desse movimento para salvar a natureza envolve um misto de emoções. “A comunidade se junta, todos pela mesma causa, com camaradagem e formulando estratégias. A parceria entre todo mundo é imensa”, conta.

 

 

Palavra de especialista
Danos a todos

 
“O fogo no Cerrado, nesta época do ano, é humano. Ou é criminoso ou é negligência. As causas do fogo natural no Brasil são os raios, e nesses casos, acontecem ou no começo da estação chuvosa, ou no fim da estação. Em algumas ocasiões, as pessoas tentam um manejo do fogo para alguma atividade agrícola, não possuem pessoal suficiente nem planejamento, e o fogo sai do controle. Mas há os incêndios totalmente acidentais da ação humana. O risco é que, nesta época, as chamas tendem a ficar descontroladas. Mesmo a vegetação campestre, que tem certa resistência, sofre muitos danos. Além disso, o efeito pós-fogo é muito severo. Se tem um incêndio que queima 15 mil hectares, por exemplo, toda a fauna que ocupava a área vai ficar sem alimento por vários meses. Nesta época do ano, também há muitas frutas que fazem parte do fornecimento de água para os animais, porque os rios temporários estão secos. No fim das chamas, o ciclo de água é diretamente impactado, porque, depois, aquele solo não terá a mesma absorção, e, quando a chuva vier, vai levar o solo e causar erosão. O impacto nas nascentes também é grande. O fogo, no auge da seca, é ruim para todo mundo. Para a flora, para a fauna, para a proteção da água e para a visitação”.

Maria Carolina Camargos, bióloga e analista ambiental do ICMBio

 

Fogo e calor no DF
O Corpo de Bombeiros do DF atuou, na tarde de dessa quarta-feira, em um incêndio de grande proporção na região próxima a antiga rodoferroviária. A área queimada não foi calculada pelos Bombeiros, que atuaram com 15 militares e três viaturas. A capital enfrenta desafios no combate às chamas nas Unidades de Conservação, no Parque Nacional de Brasília e na Floresta Nacional de Brasília (Flona). Ao todo, este ano, o DF registrou 3.749 ocorrências e 14.64 mil hectares de áreas devastadas.

A coordenadora técnica do Plano de Prevenção e Combate a Incêndio Florestal da Secretaria de Meio Ambiente (Sema-DF), Carolina Schubart, destaca que a população, assim que avistar um incêndio, deve ligar para o 193. “Evitar colocar fogo em restos de poda, lixo e outros objetos, principalmente neste período do mês de setembro, que costuma ser crítico, são medidas de prevenção essenciais”, afirma.

Previsão de chuva

O que agrava a situação são as altas temperaturas e a baixa umidade relativa do ar. Após bater o recorde da média histórica de setembro desde 1961, na terça-feira, com 37,1ºC, a máxima de quarta-feira também esteve elevada. No Gama, foi registrado 37ºC, com mínima de 21°C. A mínima da umidade relativa do ar chegou a 13% em Águas Emendadas (Planaltina), com máxima de 40%. “A umidade relativa não superou os valores que oscilaram entre 10 e 13% no começo da semana”, pontua Heráclio Alves, meteorologista do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet).

O especialista destaca que, a partir de sexta-feira (24/9), tem previsão de mudanças nas condições do tempo no DF. “Devido às temperaturas elevadas e aumento nos índices de umidade, não se descarta a possibilidade de pancadas de chuva, que poderão vir acompanhadas de trovoadas e rajadas de vento, mesmo que de forma isolada. Esse panorama deverá permanecer até o final de semana”, explica. O meteorologista, no entanto, salienta que o calor vai continuar. “O mês de outubro, por exemplo, costuma ter temperaturas elevadas na capital”, finaliza.


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